Dizem que homens criados com a avó são incorrigíveis, e talvez seja essa a raíz dos meus problemas. Depois de anos culpando meus pais, decidi inovar e culpar minha avó - Dona Conceição, você me amou demais. E agora, na hora de me despedir de você, resolvi dar tchau da maneira que você me ensinou: escrevendo.
Cada um dos netos tinha um apelido próprio. Eu era o Lindinho. Guarde essa informação.
Uma coisa que me deixou muito triste esses dias é saber que o dia que eu tiver filhos, eles não terão a chance de conhece-la como meus sobrinhos conheceram e se lembrarão dela para sempre. Por outro lado, em retrospecto, um homem que até os 33 anos foi chamado de Lindinho da Vovó é um sujeito que claramente terá problemas de relacionamento, e isso me fez repensar todas as críticas que já recebi das minhas ex. Portanto, com toda a cara de pau do mundo, estou te responsabilizando, vó, pelos bisnetos que eu não te dei.
Nossa relação, no entanto, é mais profunda que isso.
Em 1993, eu e ela sobrevivemos a um acidente de carro e mesmo sem admitir, sei que uma parte dela sempre se sentiu culpada por isso. Mas vó, saiba que, se eu pudesse, eu quebraria as duas pernas, o fêmur e a bacia de novo só para ter você por perto mais um dia. Um dia só, e aí eu te diria tudo que eu sei que você sabe, mas nunca te disse em voz alta. Você e meu avô foram a minha infância e duas das pessoas que mais amei na vida.
Eu poderia contar como ela foi a mulher mais bonita do mundo, ou que ela me dava caixas de Coca-Cola de presente de aniversário, mas a história que me veio foi essa: em 1974, minha avó ganhou do pai dela (meu bisâvo Paulo, de quem herdei o nome) um exemplar de O Retrato de Dorian Gray, e ela leu e releu o livro no mínimo uma vez por ano desde então. Há alguns dias eu roubei o exemplar, e lendo seus grifos e rabiscos no livro, encontrei essa passagem: “influenciar uma pessoa é transmitir-lhe a nossa própria alma”. Não sei se ela estava pensando nela mesma quando decidiu grifar, mas a verdade é que Dona Conceição influênciou todo mundo a sua volta, principalmente os netos.
Cada um de nós teve sua própria avó, com suas conversas e programas. Ela foi avó de todos e de cada um. E se minha irmã é artista plástica, eu escrevo e meu irmão é cineasta, é muito graças a essa alma imensa que ela transmitiu para nós.
Vó, chorei muito essa última semana, chorei escrevendo esse texto, mas percebi que essa será a única memória triste que levarei de você: me despedir. De resto, foram 33 anos só de coisas boas. Lembranças que me acompanharão pela vida toda, junto com uma saudade que já não cabe em mim.