O racismo, nos esportes ou na vida, infelizmente é uma mazela quotidiana. As imagens do fim de semana no jogo entre Real Madrid e Valência, porém, trouxeram um novo nível de barbárie: ver quase todo estádio, na Espanha em 2023, chamando Vinicius Jr. de macaco foi mais que sub-humano, foi neanderthal. E além de todos os sentimentos óbvios que essa cena provoca numa pessoa com um mínimo de empatia, um questionamento também surgiu nas redes sociais: por que estes episódios de racismo estão tão concentrados no Vinícius Júnior e não acontecem com os demais atletas negros?
Bom, para começar, eles também acontecem com outros jogadores. Assim como não existe "meio grávida", também não existe "meio racista" - o sujeito que chama o Vini Jr. de macaco em alto e bom som pensa o mesmo do Alaba e Camavinga, só para citar outros dois negros do Real Madrid. No entanto, de fato algo muito sério foi desencadeado na Espanha que fez com que uma quantidade significativa de espanhóis se sinta à vontade para ser racista com o atleta brasileiro de forma pública.
O que esse menino de São Gonçalo pode ter feito para despertar tanto ódio?
Sim, ele é o craque do Real Madrid, e isso talvez já gere uma antipatia natural nas outras torcidas. Além disso, ele é um fenômeno. Aos 22 dois anos, já fez (e ganhou) mais do que a maioria dos seres humanos fará em toda vida. E ele é negro. E o que gera mais incomodo no racista, é um negro que abraça sua cor e não leva desaforo para casa.
Há um acordo velado nos esportes em que atletas negros são aceitos desde que não escancarem o preconceito que sofrem.
Se Lewis Hamilton tivesse sido ativo como é hoje contra o preconceito que sofreu desde criança no automobilismo, ele teria sido botado de lado muito antes de ter oportunidade de ser quem foi. Ele mesmo admite isso, motivo pelo qual teve que se tornar 7 vezes campeão do mundo para adotar a voz enérgica que agora possui, defendendo suas pautas mundo afora. Para muitos, no entanto, ao fazer isso ele passou de super piloto para "Lewis, o lacrador".
Colin Kaepernick, ex-jogador de futebol americano, não teve a mesma sorte, e foi de fato colocado pra fora da NFL pelos protestos que fez contra a violência policial nos EUA.
A maioria branca, em especial a que administra os esportes pelo mundo, quer que o racismo seja ignorado ou, no máximo, tratado como "casos isolados", ainda que aconteçam em sucessão. Quando o atleta se recusa a aceitar isso, ele se torna um alvo, pois ele expõe o preconceito que a maioria das pessoas se esforça para negar e esconder.
Vinicius incomoda porque ele enfrenta, ao contrário de outros jogadores negros que também sofrem injúrias raciais mas, por diversos motivos, preferem não se manifestar.
A Espanha deixa isso muito claro. Eles estão mais indignados por estarem sendo chamados de racistas do que com o racismo que Vinicius Junior sofreu. E culpam o jogador por isso; afinal, se ele tivesse ouvido tudo calado, a vida seguiria normalmente, sem toda essa confusão. O responsável, para eles, é o negro que é baderneiro, não o racista na arquibancada.
Daí a necessidade gritante de que pessoas e instituições se posicionem de maneira contundente. A situação tende a se agravar, na minha opinião, pois quanto mais ativo Vinicius Jr. se tornar (somado com o espetáculo que dá em campo), mais ódio ele irá gerar no energúmeno que o xinga. E o ódio desse ignorante, infelizmente, não pode ser eliminado, apenas punido.
O futebol é o esporte mais alienado que existe, e em mais de 100 anos de história, podemos contar nas mãos os jogadores que assumiram pautas importantes. A passividade com que os demais jogadores em campo, inclusive os companheiros de Real, assistem as ofensas ao brasileiro prova isso. Mas justamente por todo esse contexto, Vinícius Júnior tem a chance de se tornar o jogador mais relevante de sua geração. Mais que um craque em campo, alguém que serviu de instrumento de mudança na sociedade ao seu redor.
E esses racistas ainda irão chorar de raiva enquanto assistem o menino negro de São Gonçalo conquistar o mundo.
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