Eu me formei em Direito faz quase três anos. Nunca exerci a profissão.
Um mês depois da minha formatura, larguei tudo e decidi tentar seguir a carreira de escritor. Fiz, inclusive, uma promessa silenciosa de buscar minha carteirinha da OAB somente depois que conseguisse algum trabalho como escritor; algo como só me transformar em um profissional em Direito após me estabelecer como um escritor. Eu sei que não faz muito sentido, mas é importante para mim. De qualquer maneira, minha carteirinha está lá, em algum lugar.
Desde então muita coisa aconteceu, boas, ruins e terríveis. Eu criei este site que alguns desocupados leem de vez em quando, consegui publicar meu livro e... bom, foi essa a parte boa. Engordei também, embora ninguém repare. Em contrapartida, vivo com dinheiro contado. Essa é a principal consequência que vejo, até o momento, de ter tentado investir no meu sonho, o que me priva de diversas coisas que eu adorava fazer.
Costumava sair com frequência, todos os dias se possível; hoje, basicamente tenho que escolher uma única festa por mês para ir, e azar meu se ela for uma bosta. Uma semana sim outra não, gostava de acordar cedo no sábado e sair por São Paulo atrás de feiras de discos; agora não tenho mais grana para desperdiçar assim. Até mesmo tocar guitarra, que é a coisa que eu mais amo fazer na vida, eu parei, pois precisei vender todos os meus pedais, ampli e equipamentos, ficando apenas com as guitarras elétrica, que sem uma distorção para rachar a janela e um amplificador para acordar um vizinho, é como se deitar na cama com uma garota maravilhosa sem poder beijá-la. Tudo isso sem contar o Carnaval, que torna tudo mais difícil.
No Carnaval seguinte a minha formatura, fui para o Rio com meus melhores amigos, no que se tornou uma das melhores viagens que já fiz. No ano seguinte, já estava sem dinheiro. Para piorar, tive uma crise depressiva na véspera do feriado, e a grande folia daquela semana foi quando consegui levantar da cama para comer alguma coisa na quarta-feira de cinzas. Tudo isso já passou agora. Estou bem, mais ainda duro. Daqui alguns dias, o Brasil inteiro vai para farra, e eu ficarei trancado em casa, resignado as escolhas que fiz, morrendo de inveja das pessoas na TV e Instagram. Quem sabe seja um bom momento para me desplugar e experimentar um feriado “zen”.
Tudo isso leva a uma pergunta: eu me arrependo?
A resposta é não, e digo isso sem pensar. Eu sei que não serei um cara rico. Sei que não farei viagens incríveis, nem guiarei um Porsche ou viverei em mansões. Na realidade, se um dia eu conseguir apenas me manter como escritor, e só como escritor, sem precisar de um trabalho paralelo, eu já devo me considerar uma pessoa de sorte. Isso, mais uma vez, se eu conseguir.
Para efeito de comparação, utilizando como bases meus ídolos aos quais jamais chegarei aos pés, Fitzgerald tinha 24 anos quando publicou seu primeiro romance, Deste Lado do Paraíso, e 29 quando escreveu Gatsby. Eu tenho 27, mesma idade em que Hemingway lançou O Sol Também se Levanta. Sylvia Plath publicou A Redoma de Vidro com 31, e Albert Camus, A Peste aos 29. O que isso significa? Não sei ao certo, mas se eu fosse me tornar uma lenda um dia, provavelmente já teria escrito uma obra prima com a minha idade. Fazer o que? Quem sabe em outra vida.
Para metade dos meus amigos, eu sou uma pessoa corajosa e uma inspiração, por ter desistido das coisas que não me satisfaziam e lutar pelo que eu sonho e acredito. Acho que muita gente gostaria de fazer isso, mas acaba desistindo. Para outra metade, no entanto, sou apenas um idiota, passando todo esse perrengue quando podia estar agora num escritório recebendo salário em dia e realizando essa coisinha louca e abstrata chamada “sucesso profissional”. Por fim, uma minoria de indecisos sugere que eu poderia fazer as duas coisas, o que não é verdade. É impossível se comprometer com duas coisas ao mesmo tempo, não quando você está disposto a se sair bem nas duas. Eu sei que não conseguiria ser um advogado de sucesso, simplesmente porque aquilo não me interessava a ponto de eu me comprometer o quanto a profissão exige. E se é para correr o risco, prefiro correr com as coisas que eu gosto e acredito, ainda que paguem menos.
Não quero nesse texto me fazer de mártir. Aliás, nem preciso disso; sou plenamente consciente das minhas decisões, mesmo que doam um pouco. Não ter dinheiro te ferra em diversas maneiras: É foda seus amigos te ligarem, mas você não poder sair por não ter grana. É foda conhecer uma garota e não poder chama-la para sair. É foda ver cada centavo que você ganha ser destinado a pagar contas. É foda saber que vai ficar em casa no Carnaval. Porém é algo que estou disposto a enfrentar, e toda vez que algum desconhecido me manda um e-mail dizendo que gosta dos meus textos, puta merda, é uma vitória incrível. O tipo de coisa que te alimenta a insistir.
Não sei se sou um bom escritor. Acho que não dá para saber com certeza. As pessoas parecem gostar do que eu escrevo, mas elas também parecem gostar de Lenny Kravitz, então não sei se dá para confiar nelas. Mas vai que Lenny Kravitz é bom, e eu que estou enganado?
Este texto talvez seja para as pessoas que sonham ou planejam em fazer o que fiz, largar algo mais sólido em busca de outras coisas que lhe satisfaçam mais. Não há como saber se vai dar certo ou não, e é o tipo de aposta com poucas chances de sucesso e grandes possibilidades de fracasso. Todos os dias eu tenho dúvidas sobre minha capacidade e talento, e morro de medo de diversas coisas. Morro de medo de ser obrigado a voltar para um emprego das 9 às 6 e ter que contar para todo mundo que fracassei; morro de medo de acordar aos 35 anos desempregado, solteiro e pobre, tendo desperdiçado a melhor fase da minha vida num sonho que se mostrou idiota. Morro de medo de nunca conseguir mostrar meu trabalho, e de conseguir mostra-lo e as pessoas acharem uma bosta. Porém, como em tudo que vale a pena na vida, me agarro as pequenas probabilidades de fazer algo maior que mim mesmo.
Portanto, se você pensa numa gigantesca mudança na sua vida, pare, respire fundo e pense se isso é realmente o que você quer. Não há como fugir das consequências, e elas são muitas. É como entrar numa piscina: se não é para pular de cabeça jogando água para todo lado, melhor ficar no sol. É difícil para cacete, e na maior parte do tempo é apenas sua esperança contra uma série de fatores que provam o contrário. No entanto, se eu sou capaz de aguentar um Carnaval dentro de casa, acho que você pode sobreviver.
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