Por mais absurdo que possa parecer, o eleitor do Bolsonaro que mais respeito é justamente o mais radical; aquele que abertamente se coloca contra minorias e é a favor da violência como solução. Este sujeito, por mais que eu o despreze, pelo menos tem a coragem para assumir o que pensa e, ao fazer isso, se põe na posição de enfrentar, mas também de ser enfrentado. Ele não busca subterfúgios para justificar suas escolhas, e, ao fazer isso, não revela apenas a si mesmo e seu próprio caráter, como também dá voz a crenças que há muito andavam escondidas em nossa sociedade. É triste, pois revela nossa incapacidade de evoluir enquanto seres humanos na direção do respeito a diversidade e escolhas individuais, mas também útil - qualquer demanda social, por mais assustadora que seja, só pode ser compreendida, debatida e combatida quando vem à tona. Caso contrário, ela permanece viva e silenciosa, como um tumor.Mas esse não é o único perfil de eleitor de Bolsonaro, e acredito que nem seja a maioria. Há outro tipo, mais frágil, que é justamente o oposto: aquele que não quer assumir as escolhas que está fazendo, e se esconde atrás de dogmas convenientes. Em suma, o eleitor antipetista.O antipetista é um covarde. Antes, era somente hipócrita, ao atacar ferozmente as acusações contra o PT, merecidas, mas se calar, ou no mínimo não revelar a mesma indignação, contra os escândalos de outros partidos. Agora, ele continua na sua cruzada “contra a corrupção”, mas não quer assumir as consequências de suas escolhas. Escondida nessa confortável desculpa contra o PT, essa parcela de eleitores não quer ser lembrada de suas próprias contradições: não quer ser lembrada que o discurso anticorrupção não é assim tão verdadeiro, caso contrário Bolsonaro não teria apoio de Magno Malta, Eduardo Cunha ou teria tentado aliança com o centrão; não quer ser lembrada que ele é apoiado por uma bancada evangélica totalmente antiprogressista que, não há muito tempo atrás, quis acabar com o aborto mesmo em caso de estupro; que ele é contra acordos mundiais de meio ambiente e direitos humanos; que ele glorifica um período negro da nossa história, elogia torturadores e faz piada com torturados. Tudo isso sem contar as declarações preconceituosas, machistas e homofóbicas a que todos já estão acostumados. Acredito realmente que grande parte dos eleitores de Bolsonaro não concordam com nenhuma das atitudes acima, mas também não querem enfrentá-las. Repetindo o mantra confortável e conveniente de que todos os problemas do Brasil são culpa do PT, além de reduzirem o debate a um mínimo denominador comum e assim se furtarem da necessidade de reflexão, acreditam possuir um argumento que os absolve, quando a verdade é que os tornam cúmplices.A maior prova desse desejo por absolvição está nas desculpas que se ouve a todo momento. A principal delas é “até parece que ele vai realmente conseguir fazer alguma dessas coisas que ele fala”, como se, na prática, o discurso de Bolsonaro fosse apenas uma tentativa de chocar e chamar atenção, ou, uma vez eleito, não tivesse poder para realmente botá-las em prática. Para começar, essa é uma suposição que você só pode ter se assumir sua posição de privilégio; apenas da certeza de que você não será atingido vem a disposição para se correr o risco, o que revela um egoísmo e uma falta de solidariedade atroz em relação aos que podem se tornar vítimas. Outra desculpa é o argumento tosco de que estamos escolhendo um presidente e não um pai, e por isso estaríamos diante de uma discussão prática, e não de valores. Isso também não se sustenta. A eleição nem acabou, e os casos de intolerância crescem exponencialmente: Um professor de capoeira foi morto a facadas por um eleitor de Bolsonaro, uma menina usando adesivo “ele não” foi atacada e teve uma suástica marcada no corpo, as filmagens no metrô de um grupo cantando “o Bolsonaro vai matar viado”, são apenas alguns exemplos de demonstrações públicas de preconceito e violência recentes. O candidato a presidência já se posicionou no sentido de que ele não tem como controlar o que fazem seus eleitores, como se fossem atos isolados de gente que coincidentemente votam nele, mas não é, e está ai, para mim, o maior perigo de sua possível eleição. Assim como o PT não vai instaurar uma ditadura venezuelana, Bolsonaro não vai retornar com a ditadura militar, mas ele legitima um discurso que é mais danoso para uma sociedade que qualquer crise econômica.Em tempo, uma vez que a esta altura já devo estar sendo chamado de comunista, alguns esclarecimentos: Salvo minha eterna simpatia pelo Suplicy, nunca votei no PT ou PSDB para nada; sou um crente na terceira opção que muitas vezes é xingado de “isentão”, votei na Marina e em branco em 2014, e fiz campanha pro Ciro até onde deu agora em 2018. Acredito, sim, que parlamentares petistas cometeram vários dos crimes que são acusados e que, mesmo desconsiderando a corrupção, o partido cometeu erros o bastante para justificar a insatisfação que surgiu contra ele. Em última análise, para mim o PT deu causa para a revolta, e por isso acreditava que não merecia mais quatro anos de poder. Mas isso não significa que vou comprar qualquer discurso sob a frágil justificativa de tira-los a todo custo, muito menos corroborar com preconceito, homofobia e declarações contra a própria democracia. Pois essa é a verdade, quem votar nele estará corroborando com isso. A capa protetora do antipetismo não muda o fato de que, a partir do momento que você apertou seu voto na urna, você legitimou o discurso de Bolsonaro e todas as consequências que possam vir depois. Você se torna igual ao sujeito que acha que o aborto deveria ser proibido até nos casos de estupro; se defender pelos próximos quatro anos dizendo que “só votei para tirar o PT” não irá te absolver de nada. E o mesmo vale para os políticos que estão se declarando neutros mesmo sabendo que sua neutralidade beneficia Bolsonaro. Tudo isso sem contar o aprendizado histórico: sempre que um povo revoltado optou pelo radicalismo como mudança, ele se arrependeu amargamente pelos anos seguintes. E se você tentar relativizar que votar num partido mesmo sabendo da corrupção que existiu é igual a votar em outro apesar dele ser contra direitos humanos e individuais, bom, neste caso a discussão acaba aqui, pois não há nada mais a ser dito, apenas lamentado.Assim, eu e milhões de pessoas que gostariam de um futuro diferente votaremos num partido que está, sim, descredibilizado, mas que sempre respeitou a democracia e direitos individuais. E a partir de primeiro de janeiro, voltaremos a ser oposição a ele, para que cumpra as promessas e não repita os erros do passado. É uma decisão pela qual podemos nos arrepender, mas pelo menos consciente e declarada. Por isso fica aqui meu pedido a quem vai de Bolsonaro como voto útil: você tem o direito de votar em quem quiser, mas assuma o discurso que você está apoiando e não se esconda sob a conveniência do antipetismo, pois, como já disse, isso é covardia, e o momento exige coragem.Collage