O mantra do nosso tempo é que precisamos ser pacientes para não nos tornarmos pacientes. Para aguentar o Brasil, no entanto, haja paciência.
No país em que, de acordo com Tim Maia, prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita, temos também o indignado seletivo, o liberal-conservador e, agora, o presidente de oposição, aquele que é contra o próprio governo. Caiu o Ministro da Saúde, porque era muito a favor da vida, e o Ministro da Justiça. Nas redes sociais, lemos que Moro, a Globo e o STF estão unidos para dar um golpe no presidente em exercício. Déjà-vu? Em governo de terraplanista, o mundo não gira, ele capota.
Nas ruas, que deveriam estar vazias, mais constrangimento. Uma multidão de razoável condição social, cujo o único pedido é que fiquem em casa vendo Netflix, alegando que se sentem como judeus nos campos de concentração - no afã de apoiar cegamente o governo, essa gente passa muito pano, mas também muita vergonha.
Nunca se lutou tanto pelo direito de ser contaminado por uma doença mortal; dá até vontade de desistir e largar nas mãos de Darwin. Algumas frases me vem à mente: “O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas estão cheias de certezas” e “os idiotas vão dominar o mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”. A primeira é do Bertrand Russel, a segunda do Nelson Rodrigues. O número de mortes cresce, o daqueles cumprindo o isolamento, cai. “E daí? Lamento, quer que eu faça o quê?”. Essa é do nosso presidente, o Messias que não faz nem milagre e nem o mínimo.
Diante de tudo isso, uma das soluções é desligar a televisão e apelar pro bom e velho escapismo; abraçar o smartphone e se deixar levar pela banalidade hipnótica das redes sociais. Mas não, nem assim temos sossego.
Deixando para lá o seu primo de segundo-grau postando fakenews o dia todo, é coach, é influencer, é sua amiga tentando virar influencer, um monte de gente transformando o isolamento em um período de iluminação e crescimento pessoal, escrevendo absurdos como “a quarentena é uma benção”, “você já aprendeu algo novo hoje?” ou “covid-se”. Estamos falando de uma pandemia global com centenas de milhares, talvez milhões, de mortos. Não há nada de positivo nela. Então, não, não aprendi nada de novo hoje. Passei o dia assistindo oito Velozes e Furiosos em sequência, e sabe qual o problema disso? Nenhum, pois estou em casa, fazendo algo que me distrai e cumprindo as recomendações de segurança.
Esse povo, seja o gado na rua, o coach do gado no Instagram ou o Rei do Gado na televisão, age como se não tivesse medo, e isso me apavora. Sou o total oposto. Tenho medo das pessoas sem máscara - ainda veremos surgir uma nova forma de assalto, sem armas: “passe tudo, senão eu espirro”. De abrir a geladeira de noite e encontrar uma Live de dupla sertaneja lá dentro. Medo dos números que só aumentam, e mais medo de quem não acredita neles. De infectar alguém, de perder alguém, de voltar a ficar deprimido. Da Pugliese se mudar para o meu prédio, de sucumbir ao tédio, do rosto do Ministro da Saúde, o Teich, desse nosso governo, o Reich, e que, para escrever na pandemia, eu comece a me valer de rima, por falta de assunto ou clima. Ok, eu sou uma vítima de transtorno de ansiedade quase agorafóbico, mas mesmo assim, muitos dos meus temores são reais. E vale lembrar: a última vez que apostamos que tudo daria certo só porque estávamos em casa, acabou 7 a 1.
Meu jeito de lidar com o medo é compartilhando-o. Não é hora de ser machão. Ou burro, mas o primeiro é uma escolha, o segundo, não. Há milhões de vídeos de machões (e machonas) no YouTube, morrendo ao tentar brincar com um crocodilo, escalar montanhas sem equipamentos ou tomando Cloroquina sem prescrição médica. Na falta de uma vacina para o coronavirus, o único remédio disponível é o bom-senso. Fique em casa, e faça o que tiver que fazer para não deixar os absurdos que vem de fora dificultarem ainda mais a sua vida. Tenha calma e muita, muita paciência.
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