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Prioridade Nacional

A retórica de Bolsonaro é recente, mas não é nova. Repete práticas usadas anteriormente por tantos outros, em especial na primeira metade do século passado. Professor de filosofia da Universidade de Yale, Jason Stanley explica, em uma de suas obras, as práticas deste tipo de governo que “procura naturalizar a diferença de grupo, dando assim a aparência de respaldo científico e natural a hierarquia de valor humano. Quando classificações e divisões sociais se solidificam, o medo substitui a compreensão entre os grupos. Qualquer progresso para um grupo minoritário estimula sentimentos de vitimização na população dominante”.

No Brasil, isso já é uma realidade. Quando ouvimos declarações dos membros do atual governo, percebemos uma narrativa sobre a existência de dois tipos de cidadãos: Um é o patriota, cristão, heterossexual, patriarcal, anti-progressista de crença inabalável no atual presidente. Este grupo, o auto-denominado “cidadão de bem”, está sobre constante ataque do segundo grupo - ateus, progressistas, comunistas, antipatriotas, mancomunados pela destruição dos valores da família, ascensão do comunismo e derrubada do presidente. Citando novamente o autor do parágrafo acima, é a política do “nós contra eles”.

O que nos leva ao discurso na ONU. Ele não é surpreendente; pelo contrário, é consistente com as práticas ideológicas do governo. De novidade, apenas a internacionalização deste sentimento de perseguição.

Apesar de as vezes bélica, a retórica do bolsonarismo é majoritariamente vitimista. A partir da confusão com a França nos últimos meses, Bolsonaro transformou uma crítica válida à sua política ambiental em mais ataque ao governo. Em seu discurso nas Nações Unidas, ele confirmou essa impressão. Os “globalistas” afrontando a soberania nacional, a política anti-ciência que vê a preocupação ambiental como uma forma de tentar impedir o crescimento econômico do país, o complô que agora incluí também a imprensa internacional; sua cruzada por valores se tornou global.

Nas eleições, uma parte considerável dos eleitores fecharam os olhos para a questão ideológica de Bolsonaro, com fé em sua equipe econômica e na mudança de governo; é essa parcela que continua se decepcionando com suas declarações, na expectativa de que em algum momento o presidente abandonará esse discurso para se concentrar em questões mais relevantes. No entanto, não é para ela que esses discursos se destinam. Pelo contrário, eles visam o grupo mais fiel ao presidente: as decisões do chamado “núcleo ideológico” do governo buscam a todo momento reforçar os sentimentos de vitimização e de ameaça, a crença de que o presidente está a todo momento sob ataque. O que, curiosamente, cria um círculo vicioso: a cada declaração deste tipo, surgem novas críticas, que são rebatidas sob esse prisma da perseguição, reforçando este sentimento.

Entender este processo é fundamental, principalmente para ajustarmos nossas expectativas à realidade. As declarações do presidente são um exercício de reafirmação, antes de qualquer outra coisa. Sua cruzada ideológica é e continuará sendo a prioridade de seu governo. Todo o resto é secundário, para azar do Brasil.

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