Carl Sagan tem uma frase sobre religião que, no Brasil, também vale para política: “não é possível convencer um crente de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de querer acreditar”. Mais verdadeira do que nunca, agora ela engloba também o futebol, que na temporada 2020 entrou de vez no circo.
Comecemos pelo começo: Em 2018, o país, alegando cansaço com a velha política, decidiu eleger para presidente um deputado do centrão há mais de trinta anos no Congresso sem nenhuma contribuição relevante (para dizer o mínimo). Da mesma forma, o Palmeiras, cansado do futebol de Felipão e Mano Menezes, resolveu adotar um futebol moderno e ofensivo, e para isso trouxe Vanderlei Luxemburgo. O resultado de ambas as escolhas foi o mesmo.
O Vasco pede a anulação do jogo contra o Internacional e fala em moralização do Campeonato Brasileiro. Esse mesmo Vasco da diretoria eleita com o equivalente a um golpe de estado e que tantas e tantas vezes endossou Eurico Miranda. A atual diretoria vascaína falar em moralização nos lembra muito essa penca de congressistas atuais, que apesar das denúncias de corrupção e discursos de ódio, pregam por Deus, pátria e família. Num exercício comum do Sul e Sudeste, que elege Dória, Witzel, Bolsonaro (& família), Aécio Neves e tantos outros, mas diz que é o nordeste que vota mal, os clubes de Minas, Rio e São Paulo se entregam a Perrelas, Euricos, Dualibs, Mustafás, Aidars e depois querem ser vítimas.
Fernando Diniz é o Paulo Guedes. Com mais promessas do que resultados, recebeu um apoio da diretoria que não foi visto com nenhum outro profissional, e ficou marcado pelo total deslocamento da posição que ocupa: Diniz claramente não entendeu que treinava um time gigante há mais de uma década na fila, como Guedes parece não entender o que é ser Ministro da Economia num país em que (pesquisa de 2019) 1 em cada 4 brasileiros vive com menos de R$ 500,00 por mês. O sonho neoliberal brasileiro é uma saída curta do Tiago Volpi na pequena área. Negligente, no mínimo.
O VAR é a Dilma Roulssef. Em 2016, parte da população brasileira foi convencida de que, se a Dilma caísse, o Dólar ia para os R$ 2,00 no dia seguinte. Com a mesma inocência, se acreditou que a instalação do arbitro de vídeo no Brasil acabaria com todas as mazelas do futebol, independente do baixo nível da nossa arbitragem e da incompetência e descaso naturais das instituições brasileiras, no caso do futebol, a CBF. Já estamos em 2021 e o dólar ainda não voltou aos R$ 2,00, e nem os problemas de arbitragem acabaram. E as pessoas não conseguem lidar com a frustração, depois de todo o esforço e energia gastos para que essas coisas acontecessem.
E o que falar do torcedor? Negacionista, ele hoje briga com as imagens, como parte da população briga com cientistas e institutos de pesquisa; no fundo, ao invés de encarar os fatos, passa o dia em busca de teses conspiratórias que corroborem suas crenças. Como o atual governo, não acredita na imprensa. Pelo contrário, a odeia e a ataca, sempre preferindo uma fake news conveniente. Em 2020, nenhum time do Brasil perdeu nenhuma partida por ser pior que o adversário. Todos foram vítimas de algum complô, como nosso atual presidente que, para seus suditos, nunca erra e, se erra, não errou - foi enganado ou traído.
Eu me recuso a acreditar que nós, torcedores, somos burros, então o que sobra é isso, a profunda necessidade de querer acreditar. O futebol finalmente entrou de vez no circo que é o Brasil nos últimos anos. Quando iremos aprender a acreditar nos fatos e não no que queremos? Pensando bem, tem gente que não acredita na pandemia. Pelo jeito vai demorar.
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