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Uma vergonha que só o Santista pode ter

Parafraseando Darcy Ribeiro, a crise do Santos não é uma crise; é um projeto. O que vemos hoje não é a comunhão de fatos aleatórios que, por azar, destruíram o time da Vila, e sim o resultado de práticas deliberadas que, ainda que sem essa intenção, colocaram o time neste buraco. E o que espanta foi a velocidade.

Eu estava no Pacaembu na conquista do Tri da América contra o Penãrol, em 2011. O ressurgimento santista, que começou em 2002, naquela noite atingiu seu ápice, com Pelé de terno vermelho entregando a Taça da Libertadores a Neymar, a maior joia do futebol mundial naquele momento. O time jogava o melhor futebol do país, a “beatlemania” em volta de Neymar mantinha o clube a toda hora na mídia e fazia patrocinadores brigarem a tapa. Em cada venda eram milhões de euros. A receita do clube, que era por volta de 70 milhões, pulou para 200, valores que hoje já ficaram ultrapassados, mas na época eram bem relevantes. Havia um otimismo sem igual.

Poucas temporadas depois, porém, o clube já estava de volta no vermelho, se afundando numa espiral que dura até hoje. No romance O Sol Também Se Levanta, do Hemingway, um personagem conta sobre sua falência, e ao ser perguntado como ela aconteceu, responde: “de duas maneiras, primeiro gradualmente, então repentinamente”. Gradualmente, então repentinamente, mas não sem motivo

O principal deles, sem a menor dúvida, é que infelizmente o Santos nunca teve dirigentes à altura de seus craques. Poucos clubes tiveram, essa é a verdade. No entanto, na Vila foi um atrás do outro, sem respiro.

A própria gestão Laor, muito responsável pelo momento de sucesso do começo da década passada, saiu manchada pelo episódio da venda de Neymar para o Barcelona, que acabou nos tribunais. Depois veio Odílio Rodrigues, Modesto Roma, José Carlos Peres e Rueda.

Odílio, que governou o clube em 2014 após a renúncia de Laor, foi expulso do quadro associativo em 2016, marcado pela contratação de Leandro Damião, e a suspeita operação junto a Doyen Sports, que se revelou um desastre financeiro ao clube; seu sucessor, Modesto Roma, presidente de 2015 a 2017, também foi expulso do quadro associativo do clube por reprovação das contas e a polêmica contratação de uma empresa para intermediar recebimento de valores; Peres, que assumiu em 2018, sofreu impeachment por gestão temerária em 2020 e nem terminou o mandato. Ele e seu vice, Orlando Rollo, que concluiu o mandato, depois também foram expulsos do quadro de sócios; Aí veio Andres Rueda, que numa gestão caótica dentro e fora de campo, levou o clube a 2ª divisão e, seguindo o passo de seus antecessores, também foi expulso do quadro associativo em 2024.

Quatro presidentes seguidos expulsos do clube. Essa é a década perdida de gestões santistas. Com acusações mais ou menos graves, todas têm em comum o aumento da dívida e a desorganização absoluta. Nesse período, o clube teve 24 treinadores e quase duas dezenas de diretores de futebol. E diante de tudo isso, até faz sentido o que os associados fizeram em seguida: rebaixados para a série B e sem nenhuma expectativa de futuro, só restou ao santista apelar para a nostalgia, e assim voltou Marcelo Teixeira.

O ex-presidente foi eleito no fim de 2023 à la Eurico em 2014 no Vasco - com nada a oferecer a não ser a memória de um passado vitorioso e distante. E a torcida agora vive o choque de realidade.  No melhor estilo “o respeito voltou”, Teixeira parece não entender o buraco em que o Santos está enfiado. Repete frases de efeito vazias como “colocar o Santos de volta onde jamais deveria ter saido” enquanto endivida ainda mais o clube com negociações irresponsáveis como a esdrúxula multa rescisória dada a Pedro Caixinha, acordos longos com jogadores veteranos e o contrato de Neymar, que é irreal para a situação atual do clube. E tudo isso nos atendo apenas às questões atuais, pois nem vou entrar no mérito da passagem anterior do mandatário, que terminou em 2009.

E para piorar, paralelamente às gestões terríveis, o Santos também falhou, como instituição, a se adaptar às mudanças que ocorreram em volta dele.

Assim como o São Paulo, que é administrado por um diminuto colégio de “cardeais” do clube social que vivem numa realidade paralela sobre o que é o São Paulo Futebol Clube, o Santos também sofre nas mãos desse núcleo duro de gestores apelidado por alguns de “belmirolandia” - da qual, aliás, todos os presidentes citados nesse texto fazem parte. Agarrados ao passado e fechados entre si na cidade de Santos, além de todas as denúncias e péssimos negócios, esses gestores foram incapazes de perceber e aceitar a mudança de cenário no futebol brasileiro.

O clube perdeu o bonde das reestruturações que começaram com o Flamengo e Palmeiras em 2015 e “de repente” viu clubes como Fortaleza, Bahia e Atlhetico Paranaense, só para citar alguns, em melhor situação. As SAFs, que vieram depois, só ampliaram o problema. Nesse rearranjo de forças do campeonato brasileiro, o Santos foi superado por equipes que antes ficavam abaixo dele. O clube também falhou em compreender o impacto das Arenas pós-Copa de 2014 e como a Vila Belmiro se tornaria inviável financeiramente, como de fato virou, uma vez que o alvinegro joga no “alçapão” para 13 mil pessoas com renda de 700 mil reais enquanto rivais fazem mais de 2 milhões por jogo. O clube ficou para trás, se agarrando a sua única corda de salvação: vender revelações. Mas nem a base passou imune a essa década de bagunça. Talentos foram perdidos por quase nada, e o dinheiro das boas vendas se esvaiu no saco sem fundo das dívidas do clube, sem legado algum.

O que sobrou foi este caos. Em 14 anos, do título da América a possibilidade de um 2º rebaixamento e à beira da falência. Marcelo Teixeira, no entanto, agarrado a seu projeto político e pessoal, se recusa a assumir essa situação. Sua maior cartada, a volta de Neymar, até o momento é um fracasso nos cofres e no campo. Agora está prestes a dar outra: o retorno de Sampaoli, na esperança que o argentino repita o que fez em 2019, ou seja, assuma as rédeas do CT, isole o elenco dos problemas do clube e mobilize o grupo. Além disso, Sampaoli e sua personalidade forte também são um bom escudo para uma diretoria acuada. Rejeitado por não sei quantos técnicos esse ano, convencer o argentino (e ídolo da torcida) a voltar parece o único movimento disponível no tabuleiro.

Lendo esse texto, portanto, a gente percebe que o 6 a 0 pro Vasco em casa não começou no domingo quando o juiz apitou o início do jogo. Ela é o resultado de um modus operandi que já dura uma década. O Santos não teve azar, o Santos foi vítima. E é importante lembrar isso, porque a possibilidade de se enganar tá logo ali: é muito fácil dizer que o Santos está assim por causa do Flamengo de Jesus ou a cabeçada do Breno Lopes, que “tiraram” títulos do clube, porém olhe para trás e veja como esses momentos foram exceções. A prova disso é que logo em seguida desses bons momentos, a coisa afunda de novo, sem nenhuma continuidade.

É fácil também dizer que foi o técnico ou os jogadores. Lógico que eles têm culpa olhando cada caso isolado. Vendo o macro, porém, a gente percebe que o tempo passa, treinadores e atletas mudam, mas o drama continua. E o orgulho que nem todos podem ter virou a vergonha que só o santista sente.

E a dúvida que fica, só para não ser um texto que só reclama sem propor soluções, é: o que fazer?

Há uma frase que eu gosto muito que diz que “o melhor momento para começar algo seria 5 anos atrás. O 2ª melhor momento é hoje”. Dito isso, obviamente o melhor teria sido se algum ajuizado tivesse iniciado a reestruturação financeira há muito tempo. Provavelmente o Santos teria passado todo esse período da mesma forma que passou - sem títulos, com crise e até o rebaixamento - mas com a diferença que agora estaria, quem sabe, saindo do buraco. Isso não irá mais acontecer, por dois motivos: primeiro porque falta coragem para qualquer dirigente iniciar essa mudança e verbalizar de forma alta e clara para torcida um cenário que tende a ser de muita dificuldade. O segundo motivo é que o futebol brasileiro não é como há dez anos atrás, e fazer isso hoje, entrar numa Serie A com um time modesto, pode significar não só um rebaixamento como algumas temporadas na série B. Todo dirigente sabe disso, e por isso ninguém tem coragem de repetir hoje o que o Flamengo fez.

Sendo assim, a solução óbvia será a SAF. Vão empurrar a situação até o limite do limite, e quando não houver mais nenhuma saída, venderão o time. E aí só restará rezar a Pelé que está no céu para que seja um bom comprador, disposto a apagar, com seus milhões e milhões, todo mal que fizeram a um dos clubes mais tradicionais do Brasil. Seja como for, o Santos precisa ser salvo.

 

 
 
 

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