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Ghosting - o truque do desaparecimento

Se em 2020 você não sabe o que ghosting significa, você é uma pessoa de sorte. Ou talvez esteja há muito tempo em um relacionamento saudável. Ou velho demais para isso. Ou, ainda, alguém tão bonito que simplesmente é imune a rejeição - duvido que a Scarlett Johansson ou o Brad Pitt já tenham sofrido com mensagens não respondidas.

Quem nunca: você está trocando mensagens com a pessoa, quem sabe já tenham até saído algumas vezes e um dia, de repente, silêncio total. Você tenta justificar a coisa na sua cabeça, como a possibilidade dela não ter visto o celular ou estar sem bateria, mas neste meio tempo ela posta 14 stories. Talvez você arrisque outra mensagem, talvez não, mas o resultado é o mesmo: você quase vira um astronauta, de tanto vácuo. Isso é ghosting.

Com a evolução dos celular e da própria forma de se comunicar, estamos cada vez mais acostumados a evitar pessoas simplesmente não respondendo. Isso vale para mensagens da sua mãe, o amigo no grupo pedindo para responder a pesquisa do TCC ou à pessoa com quem você está saindo. É apenas um sintoma de uma doença mais ampla no mundo virtual, e da nossa geração, de evitar incômodos a todo custo. Proporcionalmente ao numero cada vez maior de pessoas com quem nos relacionamos digitalmente, nos incomodamos cada vez mais com o contato interpessoal. É a época em que ligação é sinal de amor, mas também uma grande chatice.

Ghosting, conforme o verbete que entrou para o dicionário da língua inglesa nos últimos anos, é o ato de deliberadamente ignorar alguém com que você mantinha algum tipo de relação, deixando-a confusa com relação ao status (ou fim) do relacionamento. Em essência, não é diferente de ignorar telefonemas, não aparecer no dia do encontro ou não retornar as mensagens da caixa postal, técnicas mais usadas no passado. No entanto, a internet eleva tudo a enésima potência.

A diferença principal é que, hoje em dia, não importa onde a pessoa viva ou o que ela faça, o término de uma relação não significa a perda de contato. A menos que um dos dois tome a enérgica decisão de bloquear e parar de seguir nas redes sociais, o contato continua a distância pelo mundo virtual. E isso torna um processo geralmente já doloroso, tomar um fora, ainda pior. É o exemplo que dei acima, a pessoa não te responde mas está ativa no Instagram, então você sabe que ela está com o celular na mão e deliberadamente te ignorando. Ou então ela não te responde, e amanhã posta foto beijando outra pessoa. E você precisa chegar a todas as conclusões sozinho. Além disso, nas infinitas mensagens trocadas, a gente se abre e compartilha coisas, ficamos íntimos de alguma forma, o que deixa o termino repentino ainda mais estranho. Se “Cat Person”, da Kristen Roupenian, já é meio bizarro, imagine se o conto terminasse com o cara simplesmente desaparecendo.

Este tipo de coisa dificulta o processo de “seguir em frente”, e já há estudos que mostram que pessoas que sofrem o ghosting, dependendo do quão grau de envolvimento, tendem a desenvolver problemas de ansiedade e autoconfiança, pois não receber uma resposta dá margem à um universo de possibilidades, e, não raro, a pessoa ignorada começa a se ver como culpada.

Por outro lado, é importante entender o lado de quem pratica a coisa e, principalmente, deixar de lado o vitimismo caça-like; um dos problemas dos textos de relacionamentos é que os autores tendem a se colocar como vítimas, como se nunca tivessem feito nada parecido com ninguém. Isso é uma grande mentira, todo mundo sabe. Citando uma música do Fagner que não sai da minha cabeça, “os amantes em geral são afoitos, egoístas e mal pensam a sorte alheia, como eu”. No fim das contas, quando se trata de relacionamentos, somos uma grande confusão.

Quem pratica ghosting, o faz por dois motivos (não excludentes um do outro): o primeiro, mais óbvio, dar um fora em alguém sem precisar de uma conversa desconfortável. Você apenas ignora e espera que a pessoa se toque. O segundo, para terminar sem terminar. Como ninguém diz a frase “eu não quero mais sair com você” (ou equivalentes), a coisa fica meio em suspenso, e como o contato continua pelas redes sociais, existe margem para um recomeço futuro. A gente sabe como funciona: um like aqui, outro ali, responde um stories e tcharam, vocês voltam a se falar. Na minha pesquisa para fazer este texto, descobri que este comportamento também tem nome.

A escritora Anna Iovine, em um artigo chamado “Orbitig is the new Ghosting and it’s probably happening to you”, no qual narra o caso de um relacionamento cuja pessoa desapareceu de repente, acabou cunhando este termo, Orbiting, que como o nome sugere (orbitar), acontece quando a pessoa some, mas continua interagindo com você pelas redes sociais, acompanhando stories, dando likes e etc. Ela formula diversas teorias para este comportamento. Para mim, em 90% dos casos, orbiting é uma extensão de ghosting. Ou seja, a pessoa termina com você sem terminar, mas continua por perto para caso mude de ideia. (Este ano, fiz uma promessa de evitar clichês a qualquer custo, e como não há nada mais clichê do que citar Bauman em um texto sobre relacionamentos modernos, vou poupar vocês dessas. Não fosse a promessa, no entanto, haveria aqui um trecho de Amor Líquido).

Seja como for, uma coisa é clara, e não adianta se enganar: a pessoa que te ignora não está a fim de você. Isso não significa que ela te odeia ou quer seu mal, ela apenas não está a fim de você.

Estamos na era digital, vinte quatro horas conectados e com o celular nas mãos. Uma demora de vez em quando é normal, mas ninguém é tão ocupado a ponto de não ter um segundo para te responder. E a menos que você seja um adolescente lendo este texto, você já aprendeu que não dá para obrigar ninguém a gostar de você. O que você pode fazer é ficar puto com este tipo de comportamento, e aí chegamos nas formas de como agir e reagir nessas situações.

Não se deixar levar pela atitude de outra pessoa é essencial. Muitas vezes permitimos que a ação do outro se reflita na forma que nos vemos, imaginando o que a rejeição dela tem a dizer sobre nós. Na maioria dos casos, nada. Outro ponto é impedir os filmes de terror na nossa cabeça. Quando alguém nos ignora, tendemos a pensar nela com o telefone na mão, vendo nossa mensagem e dando uma risada diabólica enquanto planeja formas cruéis de nos humilhar. Não é assim. Ninguém acorda de manhã pensando “como eu vou ignorar aquele idiota hoje?”. As pessoas fazem o que elas fazem pelos motivos delas. E não tente adivinhar os motivos.

Ela pode ter as melhores ou piores razões do mundo para não ficar com você, mas isso não vem ao caso. Este texto não é uma crítica ao pé na bunda, mas à uma forma específica de dar o pé na bunda. Ignorar alguém desse jeito é uma coisa escrota de se fazer; ninguém é tão insignificante a ponto de não merecer nem uma única mensagem, mesmo que para levar um fora. É um desrespeito, ou no mínimo um descaso com o sentimento do outro. Ficar se martirizando atrás dos motivos, bem como correr atrás para tirar satisfação, é dar moral demais para alguém que, afinal, não quer saber de você. Esteja você apaixonado buscando respostas, ou morrendo de raiva querendo falar poucas e boas para a pessoa, jamais - jamais - corra atrás para tirar satisfação.

Os próximos passos são simples: tente sair com pessoas legais, que pareçam realmente se importar com você. E se isso parecer impossível, se esforce para pelo menos não cair no papo de quem já sumiu antes. É muito difícil, eu sei.

Este texto tem 1500 palavras. Se você o leu até aqui buscando uma luz para alguma relação que está vivendo no momento, lembre-se: relacionamentos não deveriam dar tanto trabalho. Um drama aqui e ali é legal, mas ninguém entra nessa para sofrer. O sofrimento é um efeito colateral, como a ressaca depois de uma puta festa. A gente se relaciona para termos companhia, compartilhar nossa vida, dar risada, beijar, transar ou ter alguém para assistir Netflix junto. E isso não significa que toda relação precise acabar em casamento, dois filhos e um cachorro. Se houver um mínimo de sinceridade em relação as expectativas de um e outro, dá para vivermos histórias legais, por uma noite ou por uma vida. O principio por trás de todo o processo é tentarmos ser mais felizes do que somos sozinho. Sei que parece algo muito inocente ou ingênuo, mas é importante tentar recuperar a inocência de vez em quando. Enquanto geração, já internalizamos diversas coisas que, no fim, nos fazem mal: a velocidade dos relacionamentos, a superficialidade das relações, as máscaras que vestimos nas redes sociais, entre tantas outras. Se assumirmos de vez que ficar com alguém é sempre um enorme transtorno, aí estamos perdidos.

Fique com quem quiser, transe o máximo possível e se der vontade de terminar, termine. Só avise a pessoa.

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