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Nunca Saberemos

A beleza do mistério está em não saber, e, a graça, nas milhões de possibilidades que permite a nossa imaginação. Quando penso nisso, eu quase perdoo os escritores de livros de mistério por venderam tantas milhões de cópias.

Peguemos exemplos de ficção, para começar. Seja lá o que isso diga sobre minha personalidade, Encontros e Desencontros é um dos meus filmes favoritos - Tem o genial Bill Murray, a lindíssima Scarlett Johanson e, de quebra, se passa em Tokyo, lugar que tive o prazer de conhecer. E para completar, o filme possuí essa cena linda no final, em que os dois personagens se abraçam, e um diz algo para o outro mas nós, espectadores, não conseguimos ouvir o que é. Quase me mata não saber. O mesmo sentimento me atingiu nas últimas temporadas de The Office, quando Michael entrega o microfone para o cameraman, instantes antes de Pam persegui-lo pelo aeroporto e eles conversarem algo que já é impossível de ouvir. Tratam-se de duas cenas maravilhosas, e, do ponto de vista de alguém que tenta ser um escritor, sei como é complexo conseguir ser emocionante sem precisar se valer de diálogos.

Mas passemos para realidade.

Em 1972, Garcia Marquez foi prestigiar o lançamento de um filme no qual Mario Vargas Llosa participara do roteiro, e, sem maiores explicações, o escritor peruano recebeu Gabo com um soco na cara. Testemunhas dizem que, após ser atingido, Marquez disse “agora que já me bateu, poderia me falar o motivo?” mas a resposta não veio. Eles eram amigos, ambos grandes representantes do “El Boom”, como foi chamado a explosão de escritores latino americanos na metade do século passado e, inclusive, tinham a mesma empresária, porém não se falaram mais depois disso. Gabo morreu sem comentar o assunto e Llosa, quando perguntado, diz que isso é um assunto apenas para seu biografo, o que torna este um dos grandes mistérios da literatura. O boato mais forte diz que a então esposa de Llosa teria procurado Garcia Marquez para falar sobre seus problemas conjugais e Gabo, ao invés de demove-la da ideia, a teria incentivado a se divorciar e seguir sua vida. No entanto, é apenas boato, e é provável que só conheceremos o real motivo quando sair a biografia póstuma do escritor peruano.

Na América do Sul, passando para o Brasil, quem assistiu o documentário sobre o Senna, viu o dia em que ele participou do programa da Xuxa, os dois já cheio de graça um com o outro, e ela lhe pergunta o que gostaria de receber de presente de ano novo, o que Senna responde ser impossível de dizer pois seria censurado para o horário, motivo pelo qual sussurra apenas no ouvido da apresentadora. Considerando que a cena seguinte do filme são os dois juntos em Mônaco, e o relacionamento que se seguiria, minha mente poluída não consegue deixar de imaginar que ele disse algo bem safado no ouvido da rainha dos baixinhos e, se eu pudesse saber de apenas uma coisa na vida, juro para vocês, seria isso: o que o Senna falou para a Xuxa? Não é a toa que este homem é o mais próximo que já tivemos de um herói nacional.

Ainda nos esportes, é impossível não lembrar da cabeçada do Zidane no Materazzi. Antes, um pouco de contexto: após ser campeão do mundo em 98 e da Euro em 00, a França teve participação pífia na copa de 2002, eliminada na primeira fase e, um pouco depois, Zidane se aposentou da seleção. As vésperas da copa de 2006, os franceses corriam sérios riscos de não irem para a copa, motivo pelo qual Zidane, já caminhando para o fim da carreira, voltou a seleção para os últimos jogos, garantindo a classificação. E depois, o que era para ser uma copa de despedida, tornou-se a epopeia de um gênio, que judiou do Brasil, massacrou a Espanha e entrou na final contra a Itália como favorito. E então ele joga tudo para o alto dando uma cabeçada no zagueiro italiano. Hoje a gente sabe que o zagueiro teria ofendido a irmã do craque franco-argelino, mas o quê? O que seria assim tão ofensivo a ponto dele jogar tudo fora? Minha única suposição é a de um homem que não tinha mais nada a provar e que tendo chegado a tal nível de genialidade e reconhecimento, não ia levar desaforo para casa. É uma pena, já que Zidane merecia ser um craque com duas copas.

Mudando de assunto, mas continuando na França, é sabido que no fim da segunda guerra, quando os aliados se aproximavam para recuperar Paris, o general alemão que comandava a cidade, Dietrich Von Choltitz (doravante apenas “general alemão” porque não ficarei escrevendo esse nome o tempo todo), teria recebido ordens de destruir a cidade, entregando-a arrasada para os inimigos. O plano era destruir os principais pontos turísticos e, principalmente, dinamitar algumas barragens do rio Sena, o que imediatamente inundaria toda capital francesa. O general, inclusive, às vésperas da chegada dos aliados, recebeu um telegrama direto de Hitler perguntando “Paris já está em chamas?”. Porém, para a sorte da humanidade, o homem não levou o plano a diante e entregou a cidade sem destruí-la. O que o fez mudar de ideia, no entanto, segue um mistério. Uma das versões mais conhecidas, e reproduzida em vários filmes e peças, alega que o general alemão teria sido persuadido pelo embaixador sueco Raoul Nordling. O encontro de fato aconteceu, mas oficialmente se tratou apenas de uma reunião sobre libertação de presos suecos, o que não impede que, entre quatro paredes, o assunto tenha sido outro. Posteriormente, o general alemão disse que não teve coragem de destruir a cidade, que era muito bonita e etc., talvez já tentando tirar o dele da reta nos inúmeros julgamentos que oficiais nazistas tiveram que enfrentar no pós-guerra. De qualquer maneira, no fim das contas, do cara que tinha o poder de destruir a cidade, acabou ficando conhecido como o “Salvador de Paris”.

Por fim, Jack Daniel’s. Quem já bebeu o whisky já deve ter percebido o clássico “Old nº 7” que dá nome a bebida. Curiosamente, o motivo deste nome e, especificamente, da escolha pelo número 7, é totalmente desconhecida. Jack Daniel, homem que, entre outras realizações, da nome ao meu Schnauzer, levou o segredo para o túmulo, e nem os herdeiros e atuais administradores da marca sabem a razão, tanto que no próprio museu da destilaria, no Tennessee, há uma área dedicada as especulações.

Uma teoria é de que Jack teria feito inicialmente sete receitas para sua bebida e, como a sétima ficou a melhor, a nomeou com o número 7. Outra, relativa a sua vida de solteiro, dizia que 7 é uma homenagem aos sete amores que ele teve na vida. Há também uma mais complexa, pois não encontrei correspondência nas leis brasileiras, que tem a ver com uma questão tributária - Bem resumidamente, o governo americano, ao taxar uma empresa, lhe dava, arbitrariamente, um número, e do Jack Daniel’s era o 7. Posteriormente, o governo alterou essa classificação para outro número e, para não confundir os donos de loja que compravam o whisky, o dono da marca colocou o “Old nº 7” no rótulo, ou, “antigo nº 7”. Falam que 7 também pode ser uma referência a elaboração da bebida, já que ela reunia ingredientes vindos de sete fornecedores. Ou, ainda, que 7 era o número do trem que levava a bebida pelos EUA. Seja como for, já se passaram cem anos, e nada resposta.

Tanta coisa, com tantas consequências, algumas mais outras menos importantes, e nós simplesmente não sabemos o motivo. Mas pensando bem, diante de tudo que podemos imaginar, sonhar e especular, não é mais legal não saber?

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