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O perigo de se eleger um animal

Diz a lenda que Calígula, imperador romano, em mais uma de sua série de condutadas moralmente questionáveis, certa vez nomeou seu cavalo Incitatus como senador romano; pela insatisfação com seus senadores, talvez tenha surgido ai o voto de protesto.

Em 1938, na cidade de Milton, EUA, o povo elegeu por unanimidade o candidato Boston Curtis, que era uma mula, biologicamente falando. O pior, elegeram sem saber: o prefeito inscreveu o animal nas eleições, com nome de gente, para provar que nem sempre os eleitores sabem quem apoiam e, dito e feito, elegeram a mula sem sequer saberem que não era humana.

Vindo para o Brasil, há casos clássicos.

Nas eleições municipais de 1959, em protesto a baixa qualidade dos candidatos, a cidade de São Paulo elegeu para vereador, com quase cem mil votos, o rinoceronte Cacareco (que era fêmea, apesar do nome), o mais votado naquelas eleições. O caso foi tão curioso que repercutiu na revista americana Time, que soube resumir bem a situação com aspas de um pobre eleitor paulistano: “melhor o rinoceronte que um asno”. No entanto, como Cacareco estava apenas emprestado à cidade pelo zoológico do Rio de Janeiro, acabou sendo devolvido a sua terra natal, tornando-se assim o primeiro candidato eleito por paulistanos a abandonar a cidade por um lugar melhor. Cacareco fez escola na fauna da cidade, principalmente entre tucanos.

No final dos anos 80, a cidade de Vila Velha, Espírito Santo, assolada pelo mosquito Aedes Aegypti e, consequentemente, pela dengue, decidiu protestar contra a ineficiência do Estado e elegeu o mosquito como prefeito da cidade, com mais de vinte e nove mil votos. Os votos ao bicho foram anulados pela Justiça Eleitoral, e o cargo ficou com o segundo colocado.

Praticamente no mesmo período, por iniciativa de publicações da época, foi lançada a candidatura do Macaco Tião à prefeitura do Rio de Janeiro, para a saudade do carioca, que nos dias de hoje elegeria Tião para governador sem pensar duas vezes. Nomeado como “o último preso político”, já que habitava uma jaula do zoológico, o macaco conseguiu quatrocentos mil votos, o que lhe garantiu a terceira colocação no pleito e o colocou no livro dos recordes, onde consta até hoje como o chimpanzé que mais recebeu votos no mundo. Infelizmente, a pressão do jogo político foi demais para ele, que morreu de diabetes, em 1996. Em sua homenagem, decretaram luto oficial no Rio de Janeiro.

As urnas eletrônicas acabaram com a farra dos bichos no país, e tivemos que nos contentar com Enéas, Tiririca e Toninho do Diabo como voto de protesto. Mas no mundo a coisa continua.

Em campanhas de marketing ou cargos simbólicos, todos os anos diversos animais concorrem a cargos políticos nos Estados Unidos, um cachorro, inclusive, chegou a se candidatar a presidente nas últimas eleições. Em 2013, a cidade de Xalapa, no México, de saco cheio da corrupção e violência, tentou emplacar a candidatura do gato Morris para prefeito, assim como a cidade de Guayaquill, no Equador, que no mesmo ano e para o mesmo cargo, quis eleger o Senhor Burro, literalmente um burro que era arrastado pelas ruas de gravata e chapéu. Ambas as candidaturas foram negadas pelos respectivos órgãos de processo eleitoral.

Ler esse tipo de coisa é quase surreal. Porém, felizmente, pelo menos no Brasil, já estamos mais evoluídos que isso; Se a vereadora Cacareco, e os quase prefeitos Macaco Tião e Mosquito nos ensinaram alguma coisa, é que não importa sua indignação, a insatisfação com os demais candidatos ou a frustração com o universo a sua volta, eleição é uma coisa séria, e votar num ser completamente desprovido de raciocínio, num bicho, só por protesto, ódio ou gozação é diminuir uma parte fundamental da nossa sociedade. Mais do que isso, é nos diminuir enquanto sociedade; afinal, o que um animal pode fazer após eleito, a não ser barulho, sujeira, e atacar os outros?

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