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Paris finalmente em chamas

Após a vitória de Donald Trump nas eleições americanas, Steve Bannon, chefe de campanha de Trump, ao ser perguntando sobre como seria o novo governo, declarou: “será tão emocionante quanto a década de 1930”. Foi profético.

Os anos 30 marcam a época negra do século XX, com a ascensão dos regimes fascistas e nazistas pela Europa, e também o momento em que o próprio EUA mais se aproximou destas ideias, defendidas por personalidades populares da sociedade americana como Henry Ford e Charles Lindbergh. Hoje, como há 90 anos, assistimos ao ressurgimento do fascismo, que se instalou na Hungria, Turquia e Polônia, bateu na trave na França com a derrota de Le Pen e já cruzou o oceano para Brasil e Estados Unidos; coincidência ou não, o slogan escolhido por Trump foi “Make America Great Again”, muito semelhante à “America First”, nome do movimento pró-fascista americano do começo do século passado, bem como nós adaptamos o “Alemanha acima de todos”, mantra nazista presente na primeira estrofe do hino alemão, trecho banido pelo país desde a queda do regime.

Em todos esses países, os sinais já se manifestam: nacionalismo, centralização da figura de um líder mítico, guerra contra a “imprensa conspiratória”, anti-intelectualismo, revisionismo histórico, tentativa de restringir direitos de minorias (comunidade LGBT, por exemplo) e resistência a movimentos de igualdade (feminismo, outro exemplo), fixação por um “passado glorioso”, além da política do “nós contra eles”. Não é nada novo, mas recente. Todos esses aspectos juntos formam o bê a bá da política fascista.

Em agosto de 2017 ocorreu o Charlottesville rally, passeata promovida por brancos supremacistas no estado da Virgínia, Estados Unidos, onde diversas pessoas caminharam portando bandeiras nazistas e entoando gritos antissemitas. Em fevereiro de 2019, um cemitério judeu em Estrasburgo, França, teve suas lápides pixadas com suásticas. Na Rússia, Hungria e Turquia a censura já foi instrumentalizada pelo Estado, bem como a perseguição à adversários. Temas absurdos como a negação do Holocausto, que inclusive é crime na Alemanha, enchem as páginas na internet, junto com todo o tipo de preconceito.

Bannon estava certo, portanto. Realmente nunca estivemos tão perto dos anos 30, e de tudo que se sucedeu neste década, quanto agora. Ódio e medo voltaram a ser as pautas que movem as nações. E no meio disso tudo, Notre Dame pega fogo.

Quando era adolescente, escrevi um texto melodramático que defendia que minha geração era amaldiçoada pois seria aquela destinada a ver os Rollings Stones morrerem. Foi um dos meus primeiros sucessos como escritor. No entanto, assistir um símbolo histórico de quase 800 anos queimar bota as coisas em perspectiva; você percebe como as desgraças podem ser muito maiores. E isso me fez lembrar uma outra história.

Ao fim da segunda guerra, diante da aproximação dos aliados e a retomada iminente de Paris, o general alemão que comandava a cidade, Dietrich Von Choltitz, recebeu ordens para destruir a cidade, entregando-a arrasada para os inimigos. O plano era destruir pontos turísticos e, principalmente, dinamitar as barragens do rio Sena, o que imediatamente inundaria toda capital francesa. Às vésperas da chegada dos aliados, o general recebeu um telegrama direto de Hitler perguntando “Paris já está em chamas?”. Este momento, em que o futuro da cidade mais bela do mundo dependeu da decisão de um único homem, já foi retratada em diversos filmes e peças, além de ter dado origem há várias histórias; uma delas, conta que os alemães, após evacuarem a cidade, teriam deixado um soldado munido de dinamite na Catedral de Notre Dame, com ordens de bota-la abaixo, no entanto o soldado não teve coragem de destruir o monumento, e fugiu sem cumprir a ordem. O mesmo foi feito pelo general Von Choltitz, que entregou a cidade intacta e, de possível carrasco, tornou-se o “salvador de Paris”.

A retomada da capital francesa foi um dos grandes marcos do fim da segunda guerra, e também da queda dos regimes fascistas que dominavam a Europa. E hoje, justamente quando este mal se espalha novamente, a Catedral pega fogo. Paris ficou finalmente em chamas. É simbólico; quase como se estivessem voltando para terminar o serviço.

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