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Vem brincar comigo: Sandy & Junior e o medo de ficar de fora

Quando o Fábio Júnior se apresentou na cidade dos meus avós, no interior de São Paulo, décadas atrás, foi o equivalente dos Rolling Stones tocando em Copacabana: um evento histórico que extrapolava o gosto pessoal pelo artista; o mais importante era estar lá. Mais tarde, quando eu estava no colegial, de repente a coisa mais descolada que um sujeito podia usar era uma pulseira amarela do Lance Armstrong. Ele não havia sido pego no doping, portanto ainda era um exemplo que venceu o câncer. As pulseiras, que custavam poucos dólares nos EUA e por aqui viraram artigo de luxo, viraram uma febre, que não dependia necessariamente do estilo; o importante era usar. Na mesma época, surgiu o Orkut que, no início, você só podia participar se fosse convidado por outro usuário da rede social; estar nela se tornou um sinal de popularidade. A partir desses exemplos, tenho certeza que todos são capazes de se lembrar de fenômenos como esses na infância, uma moda ou evento que de repente faziam com que sentíssemos que toda nosso valor social dependia da nossa participação.

O ser humano tem necessidade de se sentir incluído. Batalhamos todos os dias, pelo menos a maioria de nós, para sermos aceito e pertencer. Situações como as citadas a cima apenas catalisam esse desejo, concentrando-o em um único objeto ou evento. Não participar, em casos assim, quase sempre vem acompanhado de um enorme sentimento de exclusão.

O ponto é que essas modas eram passageiras e ocasionais. Vinham e passavam, de tempos em tempos. Com as redes sociais, no entanto, a questão tem se tornado cada vez mais assustadora: como agir quando todo santo dia aparece uma moda nova?

O desafio do balde de gelo, Harlem Shake, o desafio do Delle Alli, o desafio dos 10 anos, as hashtags que surgem todos os dias ou os assuntos que nos sentimos obrigados a dar uma opinião. É como se todo dia tivesse um show do Fábio Júnior em cidade pequena.

Em 2014, Patrick J. McGinnis cunhou o termo FoMO, sigla para fear of missing out, ou, em português, medo de ficar de fora, que resumiu como “a inquieta sensação de que você está perdendo algo que os outros estão fazendo; provavelmente algo melhor do que você está fazendo”. Como vimos no começo do texto, não é uma sensação nova, mas que é potencializada ao extremo conforme mergulhamos mais e mais nas redes sociais.

Neste universo que consiste basicamente em construir uma imagem para mostrar para o mundo, acabamos compelidos a participar desses fenômenos virtuais, principalmente quando eles são repetidos por gente famosa ou por milhões de pessoas no planeta.

Nas últimas semanas, os shows da Sandy & Junior se tornaram o assunto da vez. Mesmo para aqueles que, como todo brasileiro ouviu a dupla ao longo da vida, mas não são fãs de carteirinha, lutar pelos ingressos caros e exclusivos de seu retorno aos palcos se tornou uma batalha transmitida ao vivo por milhares de pessoas. O Paul McCartney tocou aqui essa semana, e não teve tanta repercussão quanto esse vórtice nostálgico que fez muita gente postar stories ouvindo e cantando “na lenda dessa paixão” no trânsito.

Isso significa algo contra os filhos do Chitãozinho e Xororó? Óbvio que não. Aliás, se você, leitor, é fã da banda e está me xingando neste momento, não precisa se exaltar; este texto não tem nada a ver com a dupla. O objeto da discussão é indiferente. Nas palavras de Bauman, em Amor Líquido, no mundo virtual “pertencemos à conversa, não àquilo sobre o que se conversa” e, neste cenário, “o silêncio equivale à exclusão”. Não importa se é a volta de uma banda, o cão covardemente morto no supermercado, sua foto de criança no dia 12 de outubro, uma foto no bloco de carnaval com a hashtag “é carnaval que chama?”, um RIP para um artista famoso que morreu, ou um balde de gelo na cabeça, a questão é como nos sentimos coagidos a nos envolver com eles. O objeto, e o quanto ele realmente significa para nós, fica em segundo plano. E longe de ter como objetivo julgar ou definir todos como fúteis ou algo assim, esse texto busca o contrário, tentar propor uma reflexão sobre algo que, no fim, nos faz mal. Essa repetitiva necessidade de participar, que não deixa de ser mais uma forma da eterna comparação que as redes sociais expõe entre a nossa vida e a dos outros, para alguns pode ter um retorno positivo, mas para muitos resulta num perpetuo sentimento de frustração, de distância, de exclusão. Não basta gostar ou não, aprovar ou não, ou ter uma opinião e guardá-la para si. É necessário mostrá-la, pois, ao fazer isso, você acaba pertencendo ao grupo que pensa como você. E isso vale até mesmo para quem se vê alheio à isso: o sujeito alucinado por Copa do Mundo é tão influenciado quanto o aquele que se acha superior e posta textões sobre como é ridículo toda a paixão por futebol.

Se fizermos uma rápida procura nas nossas redes sociais, veremos quantos episódios como esses já participamos. No caso de Sandy & Junior, o anúncio dos shows foi um episódio, a venda dos ingressos foi outro, e o fim da trilogia será o dia do show, com as milhares de fotos e vídeos daqueles que conseguiram assistir ao show. Depois passa, e vamos para o próximo. E essa é a pegadinha da internet: todo dia tem algo novo. Comparar sua vida com a dos outros, e tentar fazer demonstrações de vez em quando de como a sua anda bem, é natural. Se sentir pressionado a fazer isso todo dia é um inferno. Não à toa, ansiedade e depressão crescem quase paralelamente ao avanço das redes sociais, com maior intensidade entre aqueles com até 30 anos, justamente a faixa etária mais imersa nesse mundo.

Como lidar com isso? Acho impossível saber com certeza; estamos todos aprendendo os benefícios e riscos dessas novas tecnologias. Medidas extremas, querer deletar tudo, provavelmente será só da boca para fora; somos viciados nisso, como se fosse cocaína. Dizer “eu posso parar quando quiser” é ilusão. Talvez o jeito seja refletir. O número de likes ou de pessoas que respondem seu stories não define seu valor como ser humano; todo mundo pode postar o que quiser, o mais importante é compreender o porquê queremos compartilhar determinada coisa, e tentar entender se você quer realmente dizer algo ou se está apenas se sentindo pressionado a isso. Como fazer isso? Deixo para Sandy & Junior: “se faz sorrir ou faz chorar, o coração é quem sabe”.

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